terça-feira, 30 de dezembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Artes: Entrevista a Carina Mendonça


Por ocasião do 26º aniversário da Escola Secundária de Santana, a jovem artista plástica Carina Mendonça por iniciativa da professora de artes visuais Dalila Cunha (ex-professora de Carina) foi convidada a expor.
Esta exposição, disse Dalila Cunha, será itinerante pelo concelho de Santana, aproximadamente até ao Verão do próximo ano.
A propósito desta primeira exposição de Carina Mendonça, o MetalWood foi conversar com a jovem artista a fim de conhecer e dar a conhecer esta nova promessa de terras do Norte.






Estás agora a expor uma pequena instalação na Escola Secundária de Santana. Queres falar-nos um pouco dela?

É uma exposição composta por tubos de papel, lixos reaproveitados, e tentei trabalhar neles duma forma bastante livre. Aproveitei para fazer outro tipo de trabalho que nunca tinha feito, usei cores que não costumo usar, etc. A ideia da instalação surgiu do desafio de como iria colocá-los lá (visto que é uma escola e tem crianças a circular) e em conversa com a minha professora surgiu a ideia de que poderiam ficar como estalactites penduradas num cenário de pano negro, como uma gruta, seguros por fios de nylon.





Dizes que a tua exposição é composta por materiais reaproveitados mas isso não é patente para quem a vê. Onde reaproveitaste?

A maior parte dos tubos foram buscados na Fábrica Santo António ou Ferragens Santo António, que têm lá um armazém cheio de tralha. Outros foram-me dados. A tela que está lá não é uma tela: é papel de cenário em cima duma placa de plástico, usada na construção civil, que encontrei no chão, e a estrutura de madeira onde a tela está assente foi trazida pelo meu namorado dum cartaz político que tinha sido deixado à beira da estrada, se não me engano.


Que feedback tens tido da tua exposição e da tua pintura em geral?

[silêncio] Eu costumo dizer que tenho tido falsas opiniões porque, na maioria, quem vê os meus trabalhos são os meus amigos e então tenho opiniões fantásticas: que eu sou bastante boa e isso… Sincero, tive uma opinião sincera da minha professora que me disse que eu tinha um traço muito meu e, se fosse para ir para uma escola, teria de trabalhar mais a parte técnica mas a parte expressiva estava lá. Das pessoas que viram o meu trabalho que possam perceber um pouco mais de arte, foi ela. De resto tenho os amigos, os curiosos… Também, por estar a trabalhar, não posso estar muito por lá a receber reacções. Mas no dia da inauguração os professores de artes plásticas chocaram-me um bocado porque eu estava à espera de críticas mais… ríspidas, porque eles não eram obrigados a me agradar. Mas não! Eles gostavam e vinham falar comigo e mostravam-se interessados.


E sentiste que esse interesse era genuíno?

Senti. Eu acho que sim porque o pessoal estava curioso, não era um simples «olá»: as pessoas viam e vinham-me perguntar… Houve lá uma professora que me perguntou que ano é que eu dava. E eu não percebi. «Não és professora?» e eu: «Não, limpo rabinhos; sou auxiliar de infância.» (risos)


Esta exposição não é a tua primeira, certo?

Tive uma pequena exposição… Enfim, foi um proprietário dum bar que me perguntou se eu queria ocupar duas paredes e tive lá três quadros expostos. E entrei num concurso em que ficaram os quadros expostos na Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Tive também, quando participei num curso oferecido pela casa do povo de Santana; fizemos uma exposição de final de curso que ficou exposta no salão dos Bombeiros e depois foi para o Salão Nobre da Câmara de Santana.


Na tua vida «das 9 às 5» tu trabalhas com crianças. Isso tem alguma influência na forma como pintas? Na forma como usas a cor ou numa figuração mais distante do real?

Eu acho que não. Sinceramente acho que não porque eu até estou há pouco tempo a trabalhar com crianças.

Mas já trabalhaste com elas antes e é aí que está a tua formação.

Sim, mas eu acabei o curso em 2003 e só trabalhei com crianças em tempo de estágio, portanto já fazia cinco anos que não trabalhava com crianças e a maior parte do trabalho que eu tenho em casa foi mesmo entretanto… Tive dois anos de desemprego o que também me ajudou para trabalhar bastante, trabalhei muito nessa altura… Mudar de casa [de Santana para uma zona mais rural no Faial] também ajudou bué…


Porque…?

Moro num ambiente lindo: tenho bué de verde, bué de montanhas, passarinhos… É mesmo lindo! Alguns trabalhos pintei-os mesmo em frente à janela e recebo uma boa inspiração do ambiente.


Então pode-se dizer que as tuas influências são mais do que te rodeia do que doutros artistas?

Isso sem dúvida. Infelizmente eu não tenho grande cultura. Não conheço muito. É mau. Também às vezes é bom porque as influências que tenho são mais inconscientes. Não é muito tirado da técnica daquele que é isto e aquilo… Podem não ficar óptimas, as minhas coisas, mas é genuíno. (risos) Mesmo a cena dos tubos, aconteceu isso: nunca tinha visto este tipo de trabalho sobre este suporte e a professora Dalila disse que o meu trabalho nos tubos parecia ter influências de estilo naïf. E no dia seguinte fui ver à net o que era isso e lá dizia que geralmente as pessoas que fazem a cena naïf são as pessoas que não têm formação académica, também, em artes. Daí que falha muito a perspectiva, a ausência de profundidade – isso acontece-me bué.



Uma amiga disse-me que a tua pintura lhe lembrava a de Malangatana, o conhecido pintor moçambicano. Isso imediatamente me fez lembrar o teu gosto por motivos tribais e pela cor, tão comuns na arte africana e sul-americana. Há aí uma afinidade?

Eu gosto da cultura africana. Gosto das cores quentes, dos vermelhos, dos amarelos, dos castanhos… Mas acho que é só uma semelhança, não é uma coisa forçada, não é o ir conhecer a cultura, não –




Ter uma influência não quer dizer que seja forçado, teres uma influência é –

É gostar. É gostar? Se é gostar eu tenho.


É algo que tu gostas que acaba por verter no teu trabalho, não é?

Pode acontecer. Nunca tinha pensado muito nisso. Às tantas pode ter alguma influência. Talvez…



A tua ida para Santana, em 2001, foi quase um acidente e pensavas que seria provisória. Acabaste por ficar a gostar muito de lá viver e a preferi-la ao Funchal.

Sem dúvida.


Sentes, no entanto, a distância ao Funchal no que diz respeito a oportunidades para expor? Isso importa-te?

Até agora isso não me tem feito assim grande mania porque existe um pouco de medo em expor e, se tu expões em meios grandes vais ser visto por mais pessoas e com mais pessoas estás sujeito a mais críticas. Como eu ainda não estou bem segura do meu trabalho e como ligo muito às palavras, posso ouvir uma crítica um pouco mais assustadora que me deite um pouco mais abaixo.



E tens receio disso.

Tenho. Eu estou a começar a aprender… Esta exposição foi mesmo a primeira que eu posso dizer «Esta é a minha exposição» – foi a primeira vez e isto ajudou-me bastante.



Ajudou-te a ganhar confiança?

Pá, eu estive lá a falar à frente do secretário do, do, não sei de quê, e… eu não disse nada mas isso ajudou-me! Falar para ele, para as pessoas, pessoas que nunca conheci, falar de mim e ter gente a ouvir, expor-me aqui e acolá, tu estares aqui agora… Sei lá, tudo vai ajudando.

Mas o Funchal… Tenho tratado do meu portfolio e tentado ser mais organizada para me conseguir dirigir a alguém. Mas antes de chegar ao Funchal penso que, se eu quiser meter-me no terreno a tentar arranjar sítios para expor, consigo arranjar outros lugares. Já pensei no Dino’s Bar, no Porto da Cruz, onde costumam haver exposições… Às tantas, um dia destes eu encorajo-me e… É que eu ainda nem estou preparada para o Porto da Cruz, não vamos falar já do Funchal. (risos)



Tu acabas por viver um pouco afastada do meio artístico da ilha. Isso é intencional ou acidental? Sentes falta ou preferes assim?

Eu desloco-me. Para ver a arte dos outros, especialmente teatro e exposições, costumo deslocar-me. Os folhetos que a DRAC dá têm muita informação. A Porta 33 também costuma ter exposições boas e é gratuito. Quando eu sei duma exposição ou evento que gosto, vou logo. Mas eu gosto de ter a opção de me deslocar até ao Funchal. Dizer «OK, eu hoje vou para aquela loucura, aquela azáfama, aquele movimento, aquele stress.» E eu noto em quem mora no Funchal que já não sentem o stress. E depois acham que não necessitam do sossego porque se não estão em stress não necessitam do sossego. Isso faz com que não saiam do Funchal há bué! E eu gosto de estar longe, olhar de longe, decidir «hoje vou até lá», e depois vir para cá toda contente, aos poucos começando a ver cada vez mais verde até estar no verde. Gosto dessa sensação.



Tens alguma opinião sobre o panorama artístico da Madeira?

Eu acho que já se começa a ver mais coisas de rua, mas podiam-se fazer, na baixa do Funchal, etc., muito mais coisas, isso sem dúvida. Agora, ter uma grande opinião, uma coisa bem formada, mencionar entidades ou coisas assim, não, não tenho.



Tu és uma grande adepta da arte de rua, de intervenção na rua, certo?

Sim, sim.

Mas, a nível de exposições que tenha visto, eu tenho gostado. Mas também tenho visto muito de artistas de fora. Eu acho que, para haver movimento cultural, tudo bem: vamos fazer com madeirenses se houver madeirenses, vamos criar condições para os madeirenses se sentirem à vontade para vir mostrar o seu trabalho; mas também, se é para chamar de fora, qual é o problema? Se são bons!

Mas às vezes questiono-me para que lado me viro para expor em face a certas atitudes. Um exemplo: o meu irmão tinha um colega que escrevia crónicas relacionadas com arte e propôs-lhe mostrar-lhe o meu trabalho para ele escrever, talvez, qualquer coisa. A resposta foi: «Eu até acredito que ela possa ser boa, Ricardo, mas repara, eu já não trabalho com gente desse nível.»

A mim, por saber que não tenho formação académica, ainda me assusta um pouco chegar ao meio artístico e dizer «Olha, eu também faço… coisas.»



Porque tens medo desse tipo de atitudes.

Sim. E acabo por ficar muito no meu canto por causa dessa cena pseudo-intelectual de que «agora somos todos artistas, somos todos modernos e estamos todos num nível cultural todo XPTO» – isso eu sinto muito no Funchal. Não há arte pelo prazer de fazer arte, é arte para encher os olhos aos outros ou «Não conheces o não sei quantos? Olha que é um gajo muito afamado», e às tantas é uma pessoa que nem liga um pingo a arte. Isso eu sinto um pouco.



Como começaste a pintar/ interessar-te por arte?

Olha, foi em Santana. Eu já gostava de fazer uns rabisquinhos. No Funchal eu gostava muito de escrever os meus poemazinhos.



Mas também fazias uns «desenhitos»?

Sim, mas era muito a cena do tribal e hoje em dia já não posso com essa porra. E ainda bem que desenhei isso até à exaustão porque senão acho que não tinha sentido a necessidade de experimentar outras coisas. Não sei responder-te bem o «quando» e o «como» porque não sei se tu consegues ganhar esse gosto ou se ele já está em ti.



E o que é que tu sentes, no teu caso?

Mais a segunda. Eu no Funchal andava muito distraída. Quando vim para Santana tive mais tempo para olhar para mim e conhecer-me mais. Depois, da escrita, algumas coisas começaram a tornar-se em formas e em cor. Deixei de escrever e aquilo que tinha dentro de mim foi-se canalizando para outro lado. Enfim, se for para dizer uma data ou uma altura, foi a partir de Santana.



Que ambições tens para o futuro?

Não sei… Eu quero, eu vou continuar a pintar. Isto somente a um nível de satisfação pessoal. Se eu vou crescer nesse mundo também vai da receptividade que possa ter. Se não vou continuar sempre no meu cantinho a pintar as minhas coisas, a mostrar aos meus amigos, os meus amigos a dizer que gostam... (risos) Eu estou só a começar, é complicado dizer muitas ambições.



Bem, mas algumas ambições poderás ter, para além do que é palpável no presente.

Está bem, olha: gostava muito de, se me perguntassem «O que é que fazes?» eu responder «Eu sou artista e também auxiliar de infância.», ou nem mencionar já auxiliar de infância. Gostava de dizer este «artista» sem sentir que estou a contar uma anedota.



Interessa-te viver só da arte?

Sim, isso era o sonho. E poder viajar para poder receber outras influências; sair um bocado desta cena «pseudo», que já te falei, e ir ver as outras coisas, voltando sempre à base, porque gosto muito de viver na Madeira, cá no Norte.



Texto e Fotos cedidas por mifunao