segunda-feira, 31 de março de 2008

Começar a acabar













Texto de Mifunao


Um belo Domingo. Cheguei cedo à Casa das Mudas para ver um bocado o espaço que ainda não conhecia. É fácil uma pessoa perder-se por lá – não pelo tamanho do edifício mas pela quase total falta de sinalização. Obviamente gastou-se muito dinheiro neste edifício e aparentemente não sobrou nenhum para comprar uns sinais a dizer onde são as bilheteiras, as exposições, o auditório, o bar, os WC's… Sentado na retrete dum WC que parece ter sido feito a pensar num possível holocausto nuclear, penso se não se poderia ter poupado nas portas e divisórias metálicas e pesadonas dos WC's para se comprar umas plaquitas de plástico para ajudar as pessoas a orientar-se.

Enfim, lá dei com a bilheteira e, depois de vadiar um pouco por uma exposição de fotografia, fui para a entrada do auditório. Muita gente à espera e, surpreendentemente, muita gente nova. Um grupo de estudantes do Conservatório - Escola das Artes juntamente com um número razoável de curiosos conversavam enquanto não se abriam as portas. O auditório é muito agradável. Tem aquilo que eu considero uma lotação ideal (cerca de 200 pessoas) e, devido ao menor espaço e construção aparentemente inteligente, dá uma sensação acolhedora e uma boa acústica. A casa estava quase cheia.

O espectáculo começa pouco depois das quatro. Num palco esparso de adereços (duas lâmpadas grandes pendendo do tecto a diferentes alturas) entra João Lagarto, coxeante, roupas velhas cheias de pó, todo rabugice e impaciência de raiva contida. "Em breve estará tudo acabado… finalmente!", diz, lançando um olhar subtil de desafio para cima e para trás como que a provocar um qualquer deus escondido que teima em mantê-lo vivo. Isto marca o tom geral da peça que durará cerca de uma hora.

Este monólogo foi escrito para um actor muito amigo de Beckett e é, talvez por isso, diferente da restante obra dramática do irlandês. Beckett encarava admitidamente as peças de teatro como uma espécie de laboratório onde ele testava coisas que explorava na sua prosa ou experimentava ideias que não funcionavam noutro registo. "Começar a acabar" é interessante por não ser uma peça típica mas sim uma espécie de colagem de bocados da sua trilogia central de romances (Molloy, Malone morre e O inominável) feita a pensar num actor específico. Assim, o estilo está um pouco mais próximo do que encontramos na sua prosa: apesar das temáticas serem, basicamente, as mesmas, o humor e a indulgência para com diatribes maiores (com ou sem sentido) são mais acentuados do que na peça típica de Samuel Beckett. E isto torna este monólogo muito agradável.

João Lagarto fez um trabalho notável na assimilação do espírito da peça. A riqueza de texturas com que nos apresenta um velho homem que espera pela morte e reflecte no absurdo e inutilidade da (sua) vida é digna de um grande actor. Ao longo duma hora íntima, fazemos uma viagem por episódios da vida dum homem que nunca soube bem o que fazer com ela. Sem fio condutor ou lógica explícita vemo-nos, ao fim de poucos minutos, dentro da mente duma criatura cansada duma vida que nunca compreendeu apesar de todos os meios (alguns hilariantes) que ia arranjando para lhe tentar dar sentido.

Notáveis são também as melodias que Jorge Palma criou para musicar dois poemas de Beckett, introduzidos na peça. Notáveis, interessantemente, porque mal se notam, não exigem atenção para si mesmas, homogeneizando-se assim com o resto do texto. A opção de usar melodias reminiscentes do cantar alentejano pareceu-me resultar muito bem, respeitando a ética da tradução, dando um toque português às músicas de um texto que, de resto, estava muito bem traduzido.

No todo foi uma experiência muito agradável, um bocado de tarde bem passado. É só pena não se ver teatro desta qualidade mais vezes. Fica, no entanto, o apetite aguçado por mais bom teatro na região.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Humanure does...Brixton Academy

Londres- Brixton Academy

Evile, Job for a Cowboy, Megadeth

Texto por Humanure


Mais um domingo sombrio que começou com o céu descoberto e algum calor. O objectivo é chegar à Brixton Academy para mais um concerto. Mas hoje existem obstáculos inesperados: O Underground não está a funcionar na estação de Brixton, o que me deixa sem outro remédio senão ir até Stockwell e andar até ao local do concerto. Nada de especial pensarão vocês, mas foi aqui que a polícia assassinou um cidadão brasileiro que confundiram por terrorista, e esta zona é das mais atingidas pelo crime de rua - este passeio deixou de ser apenas isso.

Desta vez a camaradagem entre pessoas que têm um objectivo comum veio ao de cima mal saí na estação de Stockwell. Fui acolhido por um grupo de metalheads que também iam assistir ao concerto, aos quais apenas perguntei o caminho.

Os Evile foram a primeira banda a começar. Com grande pena minha não pude assistir à sua actuação, por estar na fila de entrada que nesse momento chegava aos 300 metros. Entrei na Brixton Academy, uma das salas míticas de Londres, e realmente o ambiente que se vive lá dentro tem algo de majestoso - Talvez seja a grande escadaria logo na entrada.

Peguei na minha cerveja e no meu bilhete, e fui ocupar o meu lugar para assistir à actuação de Job for a Cowboy. O meu lugar era na plateia, nos lugares bem chegados atrás e sentado! Deixo desde já um conselho: nunca vão a um concerto e fiquem na plateia.

Os Job for a Cowboy presentearam a audiência com uma prestação cheia de potência e vontade de mostrar ao público, fã do thrash, que o seu death metal também é válido. Demonstraram uma boa presença em palco e muita competência. Os temas são agressivos e bem trabalhados. A bateria debitava ritmos a uma velocidade estonteante, e as guitarras não sentiam dificuldades em acompanhar o ritmo imposto. A voz soava brutal no meio desta barreira sonora. Fiquei com a impressão que o público não gostou muito do estilo que praticavam. Penso que já estavam todos impacientes para ver Megadeth.

Mais uma passagem pelo bar para reabastecer e de volta ao meu lugar muito perto do tecto. Cerca de 20 minutos antes da hora prevista para o início da actuação de Megadeth, começam-se a ouvir clássicos do metal no sistema sonoro. Parecia que havia uma actuação a decorrer. Clássicos de Iron Maiden, Machine Head, Pantera, Ozzy Osbourne levaram o público ao rubro.

Mas não tanto como quando Megadeth entrou em palco. Com uma explosão de som, o frenesim instala-se na sala. Sim, até no quarto andar onde me encontro sentado! Com uma história de 20 anos, a banda (aka Dave Mustaine) já sabe como satisfazer os milhares de fãs presentes. Os novos membros parecem integrados a 100% e não lhes notei uma única falha. O som estava razoável, mas achei que as guitarras tinham entre elas, uma grande diferença no volume. O baixo mostrou-se muito confiante e sem hesitações, a bateria foi firme e precisa. O novo guitarrista executou todos os solos com destreza, sem uma única “nota ao lado”. E claro, o Mustaine mostrou que é um grande frontman- puxando pelo público e com uma enorme presença em palco. Não faltaram nenhum dos clássicos desde “peace sells … but who’s buying?” até o mais recente “sleepwalker”. Músicas como “A tout le monde”, “hangar 18” e “symphony of destruction” são aclamadas pelo público em uníssono. Eu, por outro lado vibro muito mais com “Tornado of souls” e especialmente com o “Ashes in your mouth”. Como podem reparar não falei do ultra clássico “Holy Wars… The punishment due”.

Não falei pelo simples facto de que, mais uma vez, tive de sair mais cedo por causa dos serviços de comboio. Não se estenderem para além das 23:15, e não pude assistir ao encore da banda. Ainda tinha de atravessar a avenida até chegar à estação de Underground- o que não foi muito motivador. Mas sobrevivi!

Sendo a terceira vez que vou a uma actuação de Megadeth, esta pareceu-me a menos conseguida. Talvez se deva ao lugar onde fiquei a assistir. Mas não se enganem quanto ao facto de que Megadeth continua a ser uma máquina de fazer thrash do mais alto nível. Fiquei agradado com Job for a cowboy e desiludido por não ter visto Evile. Fica para a próxima!!

Rock On!